O Encontro
Um lento desenrolar de chuva na tarde fria
Escorre pelo meu corpo,
Como a alma contida de um lobo ferido
Com facadas de luar.
Flores de névoa desmaiam nos caminhos,
São as incontáveis gigantes esferas
Que rolam em mim,
São as malhas vertiginosas teias
Desencantando as raízes inchadas
Do meu eixo torcido no meio.
A mola encrava nas esquinas do ser mais estreitas.
Os acordes de música silenciosa na noite invertida
Incluem-me no leite da matéria,
E eu já sinto o tédio de não poder haver mais.
Até que surges tu de dentro de um cacto leitoso
Qual borboleta travessa,
Com a água toda no teu olhar moribundo
E labaredas nas asas dos pés
E eu atiro-te um beijo de chumbo.
Uma tempestade absoluta alaga a pele,
Voos húmidos escondem a hora escura.
Terna a fome de um sorriso meu
No beiral da morte mais crua.
Há lareiras a aninhar-se na minha alma
Orgasmos longínquos
Que clamam na calada matricial da noite:
É fresco o sangue que habita
Nos caules profundos do inconsciente,
Como um comboio mental em andamento
Dentro da estação da imaginação,
Como bolsas de carne viva em auto-violação,
Como a poeira que salta das bocas,
E lembra o beijo vaporoso e cinzento
Em que me afundo continuamente,
E te bebo, te respiro,
Te engulo todo
No ápice infinito da evidência,
No teu gemido espectral de poente louco refractado
Na noite onírica ancestal.
É um buraco enorme o que me resta.
Um monstro buraco que deforma todas as imagens,
Simbologias, modos de ser por dentro,
Gestos de mostrar por fora,
Ideias entretidas a ser pessoais.
Um buraco de onde retiro a essência do vácuo,
Medito
E adormeço nua nos teus braços.