sábado, 30 de agosto de 2014

A Cesariny



A Cesariny

 

Conheci-te em Elsinore.

A desmesura dos teus passos cruzou-se acidentalmente

com a embriaguez dos meus,

e eu achei que era belo tropeçar

para a estética gargalhada geral.


Não faz mal.

Nós sabemos que os bons não se deixam comer de um só trago

Mas que num só trago se engole neles mais que a vida.


Tu ris-te, mas não é de mim,

danças distraído o piano infantil que trazes na algibeira

Tu, que sabes acender na cor aquela mística criança

que no vector estrambólico do teu traço se diverte

Tu, algo fora do círculo dos nomes,

energia policromática

Tu, homem com perfil de galgo

e, no dorso encantado,

peladas pegadas de Pascoaes

Tu – quem diria,

que de tão belo 

nasceste do avesso.


A tua voz são as hélices da garganta dos cães esfomeados

Uma violência doce que se entrega de costas

Uma revolta metafísica que abre o cosmos no corpo.


Tu, que tens uma estrela incêndio dentro do sexo

Uma que queima todos os limites, os conceitos-gaiola,

Tu e essa alma supernova que nasceu moribunda de cascavéis

que a moralidade podre vai insistindo em nutrir.

Conheço-te porque viemos da guerra,

nós e as nossas máquinas musculares amarelas -

Moral anti-histórica sustenida que quer o seu pêlo bem tratado.

Nós somos reis de uma tarde sem escrúpulos

e que grita:

Queremos o amor Queremos queremos queremos o amor.


Amigo

Não sabes expurgar a noite atra com cálidos cantos

O teu sangue pede línguas imensas de liberdade

Uma fera enfeitiçada que não sinta o chicote tenebroso dos burocratas

que te enterraram vivo o primeiro amor.

Assim pões cuidadosa e solenemente

uma mesa de abelhas ardendo nas colinas -

O labor da vontade entre as rendas da toalha

Um carnaval de onde se atira a linha purpural da carne

de mesa para mesa de cidade para cidade

de homem para homem.


Porque o teu amor é grave, grande e puro como o mar

Só os tolos não o perceberam

E se ficaram pela elegância loquaz da tua gabardine

Etc. e tal.


Já não vês as muralhas

Uma faca pura lambe-te o interior dos cascos

Quer rasgar o chão para ver o sol

lancetar a vergonha dos outros

Abrir crateras magníficas

Pálpebras nuas

no seio das cidades monstruosas.


Não estás aqui, já não te vejo

Talvez sejas a água entre as calhas do deserto

Quando um moinho saca do rio,

oriunda das noites cheias,

a tua alma de catrapuzes.