A Cesariny
Conheci-te em Elsinore.
A desmesura dos teus passos cruzou-se acidentalmente
com a embriaguez dos meus,
e eu achei que era belo tropeçar
para a estética gargalhada geral.
Não faz mal.
Nós sabemos que os bons não se deixam comer de um só trago
Mas que num só trago se engole neles mais que a vida.
Tu ris-te, mas não é de mim,
danças distraído o piano infantil que trazes na algibeira
Tu, que sabes acender na cor aquela mística criança
que no vector estrambólico do teu traço se diverte
Tu, algo fora do círculo dos nomes,
energia policromática
Tu, homem com perfil de galgo
e, no dorso encantado,
peladas pegadas de Pascoaes
Tu – quem diria,
que de tão belo
nasceste do avesso.
A tua voz são as hélices da garganta dos cães esfomeados
Uma violência doce que se entrega de costas
Uma revolta metafísica que abre o cosmos no corpo.
Tu, que tens uma estrela incêndio dentro do sexo
Uma que queima todos os limites, os conceitos-gaiola,
Tu e essa alma supernova que nasceu moribunda de cascavéis
que a moralidade podre vai insistindo em nutrir.
Conheço-te porque viemos da guerra,
nós e as nossas máquinas musculares amarelas -
Moral anti-histórica sustenida que quer o seu pêlo bem tratado.
Nós somos reis de uma tarde sem escrúpulos
e que grita:
Queremos o amor Queremos queremos queremos o amor.
Amigo
Não sabes expurgar a noite atra com cálidos cantos
O teu sangue pede línguas imensas de liberdade
Uma fera enfeitiçada que não sinta o chicote tenebroso dos burocratas
que te enterraram vivo o primeiro amor.
Assim pões cuidadosa e solenemente
uma mesa de abelhas ardendo nas colinas -
O labor da vontade entre as rendas da toalha
Um carnaval de onde se atira a linha purpural da carne
de mesa para mesa de cidade para cidade
de homem para homem.
Porque o teu amor é grave, grande e puro como o mar
Só os tolos não o perceberam
E se ficaram pela elegância loquaz da tua gabardine
Etc. e tal.
Já não vês as muralhas
Uma faca pura lambe-te o interior dos cascos
Quer rasgar o chão para ver o sol
lancetar a vergonha dos outros
Abrir crateras magníficas
Pálpebras nuas
no seio das cidades monstruosas.
Não estás aqui, já não te vejo
Talvez sejas a água entre as calhas do deserto
Quando um moinho saca do rio,
oriunda das noites cheias,
a tua alma de catrapuzes.