os bebés também morrem sozinhos
(para a íris)
I.
Da nevralgia da memória descem vagarosamente barcos de
osso a esboçar sorrisos. Há medusas a dançar num balde de praia, veneno
balouçado na aresta desviada das bocas, um grito embalsamado em bonecas de
olhos para sempre fechados.
Pedras vivas chocalham imagens na estrica do meu
sangue, e a dor canta-me um bebé e coisas assim... Um lençol num templo
pequenino. Uma caixa de música. Unhas minúsculas cor-de-laranja. Água a
escorrer pelo teu corpo num rio de verão. A tua voz jamais ouvida. A tua mão a
apertar a minha. Ver-te sorrir.
Ah, do espelho absoluto - tambor da morte- um sanguíneo
eclipse escorre caminhos para pias de bruma, e fica uma nudez aflita mordendo
textos impossíveis, arrebatamento de um só despido pela branca geometria
da loucura.
II.
Sugo
a árvore placentária pela planta dos pés.
Ainda assim não há ave
que toque nos versos
irrecuperáveis sumidos pequenos
versos
em luto num bailado escabroso de asas.
No mistério denso da
garganta
os bicos esgrimam a
última luz das supernovas
e há um leito de ossos
moles e olhos de lodo
que não me diz adeus.
Há a voz omissa da morta
há a voz traída do laço
que a gerou
uma
jugular presa à corrente.
No meu encalço o fantasma do silêncio
as veias que tremem a um afago do mundo
a íris que rodopia na fuga urgente ao rasgo imenso
as cinzas que me pertencem no vaso minúsculo
em que me foi negado tocar
comer devorar
coser a lume no peito.
Agora é preciso quebrar
a coluna vertebral do
pânico
roubar as pedras de um castelo ardido
ser fogo fendido para um qualquer alheamento.
É preciso desconstruir
esses alicates macios
desmembradores da líbido do
mundo
caçar todas as didascálias
toda a meiguice mórbida da
noite.
E este “precisar de” é algo
como uma perspectiva perdida,
uma imagem que não se registou.
É dizer “estou morto”
ou aceder à mudez de uma vela -
como se pudéssemos assimilar radicalmente a destruição
de um ser.
Tentei fazer dos meus poemas um arquipélago longe do
país da tristeza
Mas a solidão da tua morte dentro de mim aniquila a
semântica de todo o gesto.
A solidão da tua morte dentro de mim cala todos os
versos.