quarta-feira, 16 de novembro de 2016

os bebés também morrem sozinhos





os bebés também morrem sozinhos 
(para a íris)
I.

Da nevralgia da memória descem vagarosamente barcos de osso a esboçar sorrisos. Há medusas a dançar num balde de praia, veneno balouçado na aresta desviada das bocas, um grito embalsamado em bonecas de olhos para sempre fechados.

Pedras vivas chocalham imagens na estrica do meu sangue, e a dor canta-me um bebé e coisas assim... Um lençol num templo pequenino. Uma caixa de música. Unhas minúsculas cor-de-laranja. Água a escorrer pelo teu corpo num rio de verão. A tua voz jamais ouvida. A tua mão a apertar a minha. Ver-te sorrir.

Ah, do espelho absoluto - tambor da morte- um sanguíneo eclipse escorre caminhos para pias de bruma, e fica uma nudez aflita mordendo textos impossíveis, arrebatamento de um só despido pela branca geometria da loucura.




II.

Sugo a árvore placentária pela planta dos pés.   

Ainda assim não há ave que toque nos versos

irrecuperáveis                  sumidos                pequenos

versos em luto num bailado escabroso de asas.

No mistério denso da garganta

os bicos esgrimam a última luz das supernovas         

e há um leito de ossos moles e olhos de lodo

que não me diz adeus.

Há a voz omissa da morta

há a voz traída do laço que a gerou

uma jugular presa à corrente.



No meu encalço o fantasma do silêncio    

as veias que tremem a um afago do mundo

a íris que rodopia na fuga urgente ao rasgo imenso

as cinzas que me pertencem no vaso minúsculo

em que me foi negado tocar

comer devorar 

coser a lume no peito.


Agora é preciso quebrar

a coluna vertebral do pânico

roubar as pedras de um castelo ardido

ser fogo fendido para um qualquer alheamento.

É preciso desconstruir esses alicates macios

desmembradores da líbido do mundo

caçar todas as didascálias

toda a meiguice mórbida da noite.

E este “precisar de” é algo como uma perspectiva perdida,

uma imagem que não se registou.

É dizer “estou morto”

ou aceder à mudez de uma vela -

como se pudéssemos assimilar radicalmente a destruição de um ser.




Tentei fazer dos meus poemas um arquipélago longe do país da tristeza

Mas a solidão da tua morte dentro de mim aniquila a semântica de todo o gesto.

A solidão da tua morte dentro de mim cala todos os versos.