quinta-feira, 27 de junho de 2013

Como Nós






Como Nós


Não sei se é húmida a lua ou o sol
em beijo que con_centro na minha mão.
A ausência aperta-me os sentidos até doerem os infernos -
candelabros de víscera em brasa fixados
nos doces macabros hemisférios do horror.
Geme a saliva saliente entre as violetas da nevralgia.
Queimei o ventre, sou sem membros,
mastigo o lodo de olhos semicerrados.
Catapultei o mundo para o exílio de mim,
e deixo os lobos tragarem
com dentes lentos
o tempo poído em que me
morro as âncoras.
E nós? Onde a casa-alçapão para a loucura?
- qual o sinal na estrada a indicar o escândalo?,
o desvio?
O espaço roda.
Não somos nós.
O medo dança.
Não somos nós.
Nós apertamos sois que giram com as mãos
quietas a arder,
tocamos a rosa no flanco dobrado da rua deserta
e em alvoroço acolhemos a morada em potência que é
a nossa.
Depois, suaves esquecidos,
confundimo-nos no ninho do medo,
e somos qual cama espetada com um palito no céu.
 
 
 
 

quarta-feira, 26 de junho de 2013

Casa da Música






Casa da Música
 
 
Escadas lume_nascem a estreia do mundo. Riscos de sombra cambaleante passeia o núcleo para onde choverá a música que mora no futuro. Gigantes ouvidos sobem as escadas, degraus de vidro em lago levando ao tecto do sonho fosco o magma gelado com que se cozinham as cabeças. Jovens e velhos de génio pela lei dos músculos segurados têm na base venenos e punhais, uma pulsação desorientada e insalubre. Num esforço disfarçado, agarram ao corrimão o carácter que não existe, sôfregos da magia das pedras que se casam numa clave. Esquecer, enterrar a sepultura e os olhos cancerosos, ser água branca e terra ideal, tesouro sonoro em praia sináptica.
Olho: são medusas que sobem dançando as escadas aguadas, medusas que se abrem para comer o som boreal escapuli_dor do tempo.
 
 

Grito de uma Cidade Nua





Grito de uma Cidade Nua


(para a Sylvia)

 
Uma imensa noite engole o mundo. Uma noite redonda e perfeita.
No vazio rolam, como cabeças, os astros vagabundos.
No meu olhar eles gravitam, salpicando de sangue a orla dos oceanos.


O mar está deserto. Infinitas estrelas brilham, vermelhas e vazias, à superfície.
A sua luz é oca, como uma boca que se abrisse para lado nenhum.
Sim, o mar está deserto e coberto de feridas. Não há língua imensa que as cubra.


Nas cidades habitam monstros. Eles destroem todas as esquinas dos amantes.
Tudo resta liso e azul, um espelho reflectindo os horrores do mundo.
Nele se espelha o meu sorriso infantil e todos os beijos que ficaram por dar.

 
Agora o vento dança livre no coração dos antigos templos.
No seu núcleo despovoado ardem grandiosas taças de gelo.
Nelas se suplicia a Vontade deixada ao Pó, deus da fome universal.

 
Há sombras de árvores sem raiz onde antes existiam bosques.
Elas movem-se como fantasmas envoltos em bruma.
São colares feitos de troncos estrangulando os últimos sonhos do mundo.

 
Ninguém mora aqui. A humanidade partiu, levou-a um imenso abraço.
De mãos dadas correram as crianças do futuro, em busca de algodão.
Só o eco da sua voz restou, perdido, no meu coração.
 
 
 

Rede

 
 
 
 
REDE
 
 
 
Uma mímica marítima vagueia esse ar vadio de Inverno branco. Junto à pele dorida dos barcos soluçam cais de agonia líquida. O vento: vermelho espectrizante – que o farol é como um circo rondando os corpos pelo vértice repuxado do céu. E o paul  longínquo para sempre lancetado estrangula a areia na ânsia inútil de ser trapézio sobre o mar.
 
 
 
 

Breve impressão do NOSTALGIA, de Tarkovsky



NOSTALGIA



Cantam os cães nas alvoradas da bruma. As peles loiras da planície encantam o homem que diz não te ver no bravo silvo da malignidade dos alvos que são sem pernas. Tenho que cortar o arrepio dos dedos para viver: esmaga-me a luz da tua nostalgia. Há clarabóias antiquíssimas como lírios sulfurosos a esconder a água, e proteger o amor dos teus olhos de chacal é a ordem inscrita no silêncio. Algodão doce confunde trevas nos teus cabelos e a lama perfura o sentido e o tecto da tua memória. Cálices vertem hélices em outrora de neblina, porque a Rússia não deixa ver, a Rússia não deixa ver, e o vento branco planta a cruz na concha das crateras.


 

Espera

 
 
 
Espera
 
 
 
Arde num calmo alento
o meu flanco sem fim.
Morena a luz que escurece o fogo
numa paz que a calma arde lentamente.
Fagulhas libertam na tarde doente
um campo morno de ser deslumbre –
Fabuloso areal de tardes espraiado
como um terno jardim –
Luz que dorme, indolente,
desmaiada, a tua ausência em mim.
 
 
 

Momento


 
Momento
 
O banho dissolveu os meus gestos na penumbra maliciosa da água a lamber o meu coração. Pérolas de sangue branco correram entre o meu corpo e o poema-alga, na catarse rosa de um poema nacarado e húmido. O feitiço escorreu para o seu ventre aureolado, e o grito estremeceu na orla de um futuro súbito.