NOTRE DAME
A torre caiu
a torre mais alta
O ventre em
chamas agita-se
Escorrem as
pinturas, alma de séculos,
Pelas tuas
pernas
Tomba a
cabeça a arder
Tombas tu,
mãe
Os olhos
labareda
Os seios de
escuridão.
Não morras,
mãe, não morras
Nós somos egoístas
e queremos-te sempre
Só o
esqueleto que seja
Queremos-te
para nós.
Como é
horrível a tua caveira, mãe
Luar em
brasa
Osso vivo em
fornalha mordente
Mas não
morras, mãe
Deflagra o
teu sangue alto e forte
Em feixes de
brilho rubro
Que ainda
assim vives, mãe
Sim, tomba o
teu orgulho
Mas esquece
o orgulho, mãe
Nós somos
egoístas e dizemos
Mesmo
destruída não morras
Estende para
nós o olhar buraco, mãe
Os ossos
negros sem pupila dentro
Estende o
teu olhar que é ainda olhar de mãe
Nós
queremo-lo mesmo assim
Escancarado
de breu
Em estertor
arrebatado
Ainda nos
olha
Como nos
olha
Ainda e
sempre
Olha para
nós, mãe
Olha para
nós, mãe
Olha para
nós!
Vivemos
sustentados pelas tuas mãos
Pelo teu
colo eterno
Sem ele não
temos ossos, mãe
Sem ele
resta-nos o futuro
E o futuro é
vazio, mãe
O futuro é
um monstro de costas
Sem ti não
tem mãos
Não tem pés,
tomba o futuro
Tu és mãe do
mundo, mãe
A tua
presença torna-nos reais
O teu abraço
torna-nos possíveis
Sem ti não
há possível, mãe
Nem rios nem
macieiras nem meninas-maçã
Eu só quero
o futuro para to dar de presente
Eu não quero
nada se não for para ti, mãe
Não morras,
mãe
Não morras,
mãe
Não me
mates.
...
Tens nuvens
nos olhos, mãe
És deusa de
cataratas ascendentes
Mas não
cegues, mãe
Eu sei
Eu sei que
são os sonhos que te negaram, mãe
Todos os
tesouros que te roubaram
A vileza do
mundo que não te soube amar.
Eu sei que o
fumo e a cinza foram gema
E renda e
rubi.
É longo
ver-te arder, mãe
O fogo
lambe-te os orgãos as veias
O gesto
Mas nós
somos Tão egoístas, mãe
Somos tão
teus
Que vemos
ainda essa tua dança
O grito do
lastro febril
O esgar do
esqueleto ardido
O sismo no dorso
rebentado
E ainda e
sempre as tuas mãos
Os teus
olhos
A tua água
grande, mãe
Nós vemos e
nós existimos
Estamos
aqui, mãe
Não te
deites, sofre de pé
Consumida,
delirante
Fendida,
ardente
Mas nunca
sem sonhos
Porque nós
existimos, mãe
Sofre de pé
Porque nós
existimos
Sofre de pé.