quinta-feira, 12 de março de 2015

πr^2


πr^2

O coração ferve numa pipeta
No telhado, um galo histriónico a arder
A levedura das unhas escorre discreta
Pela almofada a injectar pérolas moídas.

Na fúlgida solitude que contorce o espelho
A fuligem do vento dentro dos ossos que emagrecem sem se ver
Um nó de imprecisão geométrica trunca a voz em laboratório.

Nunca o céu terá dono.
(Só) infindáveis corredores mais ou menos esterilizados
A arritmia do tempo no quebrar das nozes
O ventre arruinado dos pardais de mármore.
No nó da sirene engarrafado em ninhos de pele
Minúsculos alarmes de vento encriptado
Pela película concêntrica irremediavelmente branca
Dizem menino menino menino.

Depois nasceram flautas nas pestanas.
Um cisne dentro da garganta.
Quer abrir as asas
Os ecos do seu grasnar
São murmúrios de sede
Longínquas balas de som.
O engolidor oficial de erros engasgou-se
Como os bebés que comem demasiado depressa.

A sofreguidão que se derrama em desalento
Desemboca na janela que dá para o laboratório.
Está lá o coração, numa pipeta.
Um rim a florir em formol
Um pequeno altar de lápis e bichos incompreensíveis.

Então uma miúda de ossos verdes sussurra:
Devia haver camas de rede em todas as esquinas
Pêndulos cegos como canções de embalar anãs brancas.
Devia haver sempre uma espiral de olhos ternos onde perder a memória do húmus.


Ince(ne)ra


Ince(ne)ra

O breu goteja enigmas pelas paredes da casa
Com nuvens lacradas nos olhos
Um odor suculento a língua de estrelas
Perscruta rasgos pelas cordilheiras do calor.

Oculto gesto na mudez das velas
Coluna nádegas cabeça órgãos
O traço vermelho em sonho sustido
Qual sangue indolor inclinado pelas mãos
Até nascerem camas de rede nos teus olhos.

Quando te curvas
Sismos deslumbrados desmaiam-te os véus
E sentes pular
O declive do corpo
Incólumes falésias de música (d)obrada
Em vértebras de cera líquida
Retalhos de bosque a arcos suaves
Gritados de violino.


OVERDOSE


Overdose 

Num gélido sol de janeiro
Os ramos penetrados engolem
Uma ponte debruçada sobre o céu
Empalam-se os nervos na fúlgida embriaguez
Centrada na fibra inquieta das nuvens.

Os véus da garganta derramam um castelo
A lepra benigna das árvores
Galhos estirados em planos tormentosos
Nódulos vegetais que enlançam o arco-íris da tortura aos olhos.

Nas traves arfadas a infância que ama
Curva a luz que se verga à liberdade
Em aves de arribação que viajam para dentro uma da outra.

Pela estrada um fundo de excesso
Eflúvio nítido de mundo e ventres cheios
Fumos a fazer lacrimejar o céu.
A carne treme com o grito das pupilas
No limite aspirado em balões de sabão gravíticos.

Rosas cinzelam a névoa que brota dos dedos 
Cascata incandescente de horizontes sobrepostos
Parede matricial subtilíssima e ardente
Grandiosa inefável cama vertical
E a mãe das pedras a salivar oculta pelas silvas.