domingo, 7 de dezembro de 2014

A uma árvore


 

A uma árvore


Da corda axial que prende o gato à estrela
Um calor aflora em garganta ondulada
Boca suspensa pelo nó dos músculos.

Na amplitude côncava do abrigo
Húmus de crianças e florestas arregaladas
Salivam-se sonhos em tortuosa delícia.
Quatro luas escoram a árvore -
Enlevada pirâmide de falos-baloiço.

De rasto em luminescência laranja
O evanescer num exílio de folhas
Não cala as línguas antiquíssimas
Que cortam as lianas inúteis da memória
Engendrando novas bússolas
De matérias nítidas e mudas
- A nudez máxima das agulhas -
E um homem me bombeia andaimes para dentro da noite.




sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

FOG ou Da Igualdade



FOG ou Da Igualdade


A neblina respira sobre o rio

Anta subterrânea da vontade dos homens

O humedecer fixado de uma serpente impávida

Enquanto os pássaros entrançam o frio

Entre o sono pesado dos antepassados

e os galhos tortos de picar os frutos.

 

Numa fisális distendida pelo cheiro da chuva

Vejo o choro limpo das fragas ocultas

E a paciência triunfal da matéria sem rosto.

De lã na matriz mineral ela larga

Um gato solene que declina sobre ti

Uma testa grande de inverno.

Cordões subtis a moldar-te o gesto

Dão-te a inclinação dos ossos violíneos

A expressão isenta de mundo

Os dedos têxteis cegando angústias

E a água que erige a morte telúrica dos vocábulos.

 

De todas as casas nas virilhas dos montes

Subo o pavio das pestanas de pedra

Para comer cru o céu dos altares

Neutralizar os metais nodosos que germinam

Até ao estertorar de cada folha envidraçada.

(De que falavas à noite sobre a igualdade?)

No hiato entre os olhos desata-se

O termómetro dos rins do sol

Vê-se o vulcão meândrico da terra

O ciclo imperceptível e sanguíneo dos muros

E pela íris do barco denso que deslizou

As cores que não morrem com a aurora.

 

Deixou de ouvir abrir-se a boca do mosteiro.

Dédalo anódino no cumprimento do tempo

E na vertigem metálica do pulso.

É o desenrolar da carne num batente branco -

O dia dito pela ascensão das nuvens.
 




terça-feira, 25 de novembro de 2014

Duas casas





Duas casas       

I.
Encontrar
O ângulo roto pelos olhos das aranhas
No arder do canibalismo das flores
Na tenra tessitura das folhas ressurgidas
Na carne da luz em cada átomo blindada:
Gomos de lume apodrecido
Sob telhas de outro oxigénio.

A terra esventrada pelo ciúme
Searas de carvão acirrado a arder
E as aves na ferrugem das roldanas
O inculcar de branqueamentos na língua.
Saber que nascemos antes.


II.
Dentro dos degraus o medo
A brutalidade de resgate impossivel_mente
Na entropia dos gestos sobre a velhice.

Uma criança chupa céus nos intervalos
Da circularidade de uma jugular desmaiada
Na praça dos olhos subtraídos
E a necropatia dos meus nervos reflectidos
Infinito íngreme (in)finito
Impérvio trovão
Obsessivo e falhado (en)truncamento.




segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Sonoplastia da ausência




Sonoplastia da ausência


Dias depois,
o zumbir de cactos fascinados.
a memória salta cavalos lógicos
esmagando a água curvilínea das histórias
e eu fico-me um eixo tresloucado
com o sol a crescer nas garras retrácteis da dor.

Sento-me num prazer duplicado
pela diferença dos corpos
lambo a língua às paredes do meu corpo
pela diferença das vozes
trucido os gatos tintos no estômago
pela igualdade da seiva que vulcaniza
pelo mel de banhar invernos a dois.

Há um estar plasmático que foge
numa atrocidade indiferente.
as mãos vazias a tocar a luz
vazias de entendimento
memória em delírio fragmentada.
um homem vivo, tu, na minha garganta
a semicerrar as pálpebras do mundo
a segregar afectos em salivas transformadas
e os sons inventados pela ternura das velas.

Ainda as mãos vazias. E tu. Dentro.

Só o verbo cura as crisálidas que não morrem.
não te preocupes:
no caleidoscópio da ausência,
a atenção extasiada
a permeabilidade dos morcegos à noite
a liquefacção real dos suores mentais
a osmose na polpa dos olhos.
nas mãos da memória –
orgasmo de dedos partidos,
na pele intermitente e cruel das lembranças,
crianças desaguam no refúgio das veias
odores soltam o rodopio de uma onda liberta
que desdobra a infância escarlate
e o brilho das flores Tuvalu.

Digo: não te preocupes...
há a corda intermédia que torna invisíveis os nomes,
trapos de nomes que nos ardem nas lanternas dos pés.
nos ombros solidamente pousados em paredes que voam,
a erogenia de um sonho nu
um barco sem fronteiras
num mapa de ilhas líquidas
que trans_bordas(te).



terça-feira, 30 de setembro de 2014

Carta a um cigano que se apaixonou pelo mar




Carta a um cigano que se apaixonou pelo mar

Entro no agasalho intempestivo de um índio perdido
Eras aninham-se no meu cabelo
Serenas correntes feitas da carne do vento 
Tranças bravias brancas e verdes
Trazendo em mim o langor bárbaro do tempo
E a suave maldição de uma rizomática esperança.

Dentro da casa balançam sombras de árvores inomináveis
Frutos antigos delírios em duetos inefáveis
Imagética montanhosa de espelhos nus.
Ajoelho-me e engulo religiosamente as eras
O prazer ensimesmado de quietude e assombro
Como se ele tivesse criado a respiração do mundo
Como se o abrigo fosse pequeno para alimentar os deuses.

A lanterna colorida incendeia uma criança cigana
O coração imolado de uma febre distante dança
O erótico maestro florido dos campos sorri.
Ele esconde-se nu entre finas cortinas
Instáveis labirintos mentais.
Ah ser-me ópera nas ruínas dessa alma travessa
embebida no ópio dos caules secretos da lua
Ser-me astro distendido até ao estertor dos campos
Elixir de um xamã entorpecido pela embriaguez do amor.

O segredo é perpendicular ao pescoço de todos os que já amou
É uma lâmina que goza com os sonhos do passado
Por isso tive medo
Por isso guardei o segredo num búzio.
Porque lá dentro não havia tempo.
E nunca há tempo sem que a terra se revolva
E venham os tanques e os tractores
A deformação espiritual dos músculos
As guerras choradas por coros de musas que se afogam
Interminavelmente.

De uma imensa e breve brecha ele recolhe uma imagem:
O orifício de um sonho inviolável
O olho casulo de onde partiram barcos de céu
Grous de espuma a levantarem vôo do silêncio que crescia dos pés.
Tremiam membros doces no florir da areia que ocultava o segredo.
Um roçar onírico no seu cabelo-fenda da noite
Cântico de ossos abertos para os espasmos milenares dos amantes
Ávidas coxas da Terra em translação.

Lambo-lhe, devagar, a língua toda até ao falo
Por dentro há uma ranhura exposta longe do medo
E um corpo fita-de-Moebius que brilha esplendoroso
Até que as crias dos castanheiros sejam baloiços de embalar nos búzios
as crianças belas que há dentro da morte.
As patas sensíveis das aves mergulhavam nos fios quentes das ondas
Ele lembra-se.
Agora há que comer o sangue azul que cuspi nas nuvens
com que me fixei os pulsos à virgindade.

Porque me quiseste (se), queria escrever-lhe.
Temo a beleza do bico longo dos pássaros
Tanto quanto desejo torcê-los em clave de lince maior
Às vezes anseio o gesto que enlaça o impulso do géiser
Às vezes grito o medo dentro dos dentes
E já lhe disse: temo.
E esse universo pequenino de galáxias com cortinas também.
Ele sabe.
Perco-me nesses labirintos de cactos e de seda
com vulcânicos sóis vermelhos no centro.
Dormirei enredando as mãos na pele da serra
que embebeda os corpos celestes.
É o bago rubro de uma trepadeira
Ao colosso de Rhodes ela se enrosca
E, no fim, sacrifica-se...

O vento faz o mundo multiplicar-se.
Fui vento, talvez
Para beijar as omoplatas das flores,
Correr como um lagarto do deserto
até lamber o suor da próstata que incha.
Plantei árvores no meu suor
Quis dar-lhe a comer o fruto ébrio
da minha soberba exaustão espacial.
Penso que deveria vender-se suor em frascos de cristal.
Com ele regar o cabelo
E as nádegas bem abertas,
Com ele colher sinfonias.

Acho que quero a minha carne suspensa
como folhas numa árvore
Dar pêssegos pela extremidade dos dedos
Violar a árvore de gatos verdes pendurados pelo cachaço
Bichanos vivos e imóveis fitando os ramos e o miolo do céu
Folhas-gato tiritando nebulosas no seio do frio.

Neste vento de amoras sinápticas preso em lanternas
Sou um felino mover-se no cruzamento feroz
das suas grandes pedras internas.
De caneta fálica nos dentes
Vejo os diospiros remoendo as estações –
Choro a mórbida solidão dos frutos.
Masturbo-me sem os dedos da cortesia
As línguas vermelhas das cortinas desejam-me mulher.
Vira-te de costas
Não mais ouvirás palavras.
Ah o núcleo sensual dos objectos
Corpos etéreos roçando uma face saciada
A minha face
Que desconheço.
Que é do meu amor?
Os seus belos olhos vendados
E foi só um orgasmo de píncaros serpenteados
num horizonte vertical vermelho.

A vírgula da impotência pede totalitarismo.
Sabes
Tudo o que me apetece é dizer que te adoro
e calar a gaze todas as bocas do mundo.

As bocas da luz são buracos comidos pelos insectos
Aqueles que sabem masturbar-se
Comem a palavra furtada ao sono da folha
Perante o onanismo permanente da Terra.
Mas o humano constrói casas,
Vasos e highways,
Não há flôr que lhe baste cosida a ouro nas vértebras.
Somos como gatos vívidos a rebentar ternura pelo ânus
Tossimos réstias de estrelas
E são essas as cordas do baloiço cosmogónico em que nos sentamos.
Pensamos então que tudo são linhas nas artérias e na cabeça.
Mordemos a caneta. E não nos vimos.

Regressas.
Balanças a saia até fazeres cair a próxima galáxia do tecto.
Raios partam todos os horizontes
Especialmente os desta casa de mato por cima do céu
Que eu desejo até as raízes de pedra
fazerem derreter monstros escondidos.
Homem belíssimo com braços de fogo,
OUVE:
Há no fragor dos monstros uma rosácea aberta ao segredo.
Dos teus ombros ondeados de mar masculino
Nascem mil Cassiopeias
Rasgando a geometria das estrelas.
Elas consumam-se abertas em mim.
Por cima do meu corpo
Infinitamente acima da via láctea
Um cabo eléctrico afiado rasga as pupilas do tempo
Varre o vazio das constelações.
É essa violência inconsolável dos contrastes que faz perceber.

Agora está quente, duas velas acesas.
Gatinhos negros e ternos adormeceram
Indestrinçáveis novelos entre os nossos pés.
Porque me quiseste (se).


sábado, 30 de agosto de 2014

A Cesariny



A Cesariny

 

Conheci-te em Elsinore.

A desmesura dos teus passos cruzou-se acidentalmente

com a embriaguez dos meus,

e eu achei que era belo tropeçar

para a estética gargalhada geral.


Não faz mal.

Nós sabemos que os bons não se deixam comer de um só trago

Mas que num só trago se engole neles mais que a vida.


Tu ris-te, mas não é de mim,

danças distraído o piano infantil que trazes na algibeira

Tu, que sabes acender na cor aquela mística criança

que no vector estrambólico do teu traço se diverte

Tu, algo fora do círculo dos nomes,

energia policromática

Tu, homem com perfil de galgo

e, no dorso encantado,

peladas pegadas de Pascoaes

Tu – quem diria,

que de tão belo 

nasceste do avesso.


A tua voz são as hélices da garganta dos cães esfomeados

Uma violência doce que se entrega de costas

Uma revolta metafísica que abre o cosmos no corpo.


Tu, que tens uma estrela incêndio dentro do sexo

Uma que queima todos os limites, os conceitos-gaiola,

Tu e essa alma supernova que nasceu moribunda de cascavéis

que a moralidade podre vai insistindo em nutrir.

Conheço-te porque viemos da guerra,

nós e as nossas máquinas musculares amarelas -

Moral anti-histórica sustenida que quer o seu pêlo bem tratado.

Nós somos reis de uma tarde sem escrúpulos

e que grita:

Queremos o amor Queremos queremos queremos o amor.


Amigo

Não sabes expurgar a noite atra com cálidos cantos

O teu sangue pede línguas imensas de liberdade

Uma fera enfeitiçada que não sinta o chicote tenebroso dos burocratas

que te enterraram vivo o primeiro amor.

Assim pões cuidadosa e solenemente

uma mesa de abelhas ardendo nas colinas -

O labor da vontade entre as rendas da toalha

Um carnaval de onde se atira a linha purpural da carne

de mesa para mesa de cidade para cidade

de homem para homem.


Porque o teu amor é grave, grande e puro como o mar

Só os tolos não o perceberam

E se ficaram pela elegância loquaz da tua gabardine

Etc. e tal.


Já não vês as muralhas

Uma faca pura lambe-te o interior dos cascos

Quer rasgar o chão para ver o sol

lancetar a vergonha dos outros

Abrir crateras magníficas

Pálpebras nuas

no seio das cidades monstruosas.


Não estás aqui, já não te vejo

Talvez sejas a água entre as calhas do deserto

Quando um moinho saca do rio,

oriunda das noites cheias,

a tua alma de catrapuzes.