domingo, 11 de maio de 2014

Num café qualquer chamado Nenúfar





Num café qualquer chamado Nenúfar

Conheci-te ontem em frente a um licor Beirão. Vieste de vestido violeta, uma ave exaltada no ombro e o colo inchado de humanidade. O teu corpo brilhava como um Ártico nocturno e dançavas livre pelo café com palavras sem pronúncia. Passada uma hora pedi-te:
Dá-me a saliva dos teus gestos para plantar sementes de cometa, o mundo está faminto de novidades orbitais. Medram hospícios na nossa carne, abismos fugitivos que acolhemos numa terna violação das nossas letras. Há uma profusão de palavras e de números nos quadrantes do real, traços, geometrias, logotipos, slogans, na esquizofrenia da ocupação totalitária dos meus olhos. Roçam os bigodes da raiva no meu rosto. Vês?... Dá-me o pano aberto, o sem Outro, o setentrional, a vida e a morte numa caneta carnívora que não conheça a literatura. Dá-me a aparição antiga da existência, o céu nu de olhos, bicicletas e rodas dentadas intoleráveis. Peço-te: afasta-me os cabelos do mundo para eu afagar a pele das estrelas e ser um monstro puro a rasgar contigo, aqui, a franja colossal do universo.
 
 

1 comentário: