Num café qualquer chamado Nenúfar
Conheci-te ontem em frente a um licor Beirão. Vieste de vestido violeta,
uma ave exaltada no ombro e o colo inchado de humanidade. O teu corpo brilhava
como um Ártico nocturno e dançavas livre pelo café com palavras sem pronúncia. Passada uma
hora pedi-te:
Dá-me a saliva dos teus gestos para plantar sementes de cometa, o mundo
está faminto de novidades orbitais. Medram hospícios na nossa carne, abismos
fugitivos que acolhemos numa terna violação das nossas letras. Há uma profusão de
palavras e de números nos quadrantes do real, traços, geometrias, logotipos,
slogans, na esquizofrenia da ocupação totalitária dos meus olhos. Roçam os
bigodes da raiva no meu rosto. Vês?... Dá-me o pano aberto, o sem Outro, o setentrional, a
vida e a morte numa caneta carnívora que não conheça a literatura. Dá-me a
aparição antiga da existência, o céu nu de olhos, bicicletas e rodas dentadas
intoleráveis. Peço-te: afasta-me os cabelos do mundo para eu afagar a pele das
estrelas e ser um monstro puro a rasgar contigo, aqui, a franja colossal do
universo.
Grandioso
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