Danças de Borodin
Enxotas a ave da
sede que pousa no beiral da tua pele primeira. Da música, lembras a fábula do
amor daqueles que crescem folhas desejantes em todas as direcções da Terra. E
lembras o calor no longe de um espaço que se expande em ti como uma flôr grande
demais. O desabrochar dos passos vai desprendendo miragens ao tecer-te bordados directamente na pele, corpetes de cetim cosidos nas costelas sagradas da
memória, e é do avesso que adormeces a espera em vozes de oriente e crepúsculo.
Às vezes, já sem
cuidado, evocas as noites em que ela deixava cair o
vestido e havia vincos terrestres a encurtar o mundo. Num relance, uma só ponte
para o infinito inteiro, a verdade à distância de um beijo. Mas todos os círculos
perfeitos são fatalistas e então pensas:
talvez a beleza esteja nos grumos textu(r)ais do real, na
heterogeneidade do cinza, no sangue que escapa e suja a camisa. São rasgos de
céu numa cama escura de deserto, feridas imensas com olhos soberbos, formas sulcando espantos no
areal caótico das cidades da carne. A lança faz o mundo dar-se à consciência...
Onde se desdobra a fonte do poder?, onde o colírio que incendeie a leveza para o
alento das noites brutais?
Modelam-se luzes em mim, os tambores abrem a
juventude para fora e expurgam o lamento das flores coaguladas. Rios de ser
extravasam os dedos e a espuma das feras numa tecelagem encantada de sonhos nativos
e quimeras de gazela. De súbito, redes de ouro e prata sobre um mar de estrelas a
coreografar o Desejo, saltos de linfa caçando florestas longínquas no corpo oblongo da Vontade. Porque algures
no útero dos véus cor de laranja, a violência dilata os meus
olhos para o dourado, e isto de ter sonhos na língua nua desata a
correr louca e velozmente até ao zénite
desassombrado da fantasia.
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