sábado, 26 de abril de 2014

Enxaqueca





Enxaqueca
 
 
O silêncio é a almofada onde se deitam os desertos e os sonhos viúvos. Já pousei sem cor os lápis que me deste. No maxilar do mundo tritura-se agora a minha cabeça.
Agulhas encapeladas e quentes cosem os neurónios uns aos outros. São cascos de navios que soluçam no meu sangue escuro e doente, ervilhas nas veias. Dentro desta água há casario a transbordar, mãos e bocas construindo pontes que não rompem o real, sobrecarregam-no de uma dor de ferro e histrionia de lagosta em panela de pressão. Um penhasco aos solavancos - grotesco sonambular de mil girândolas em mim! Trepam as moreias pelo céu aquoso e vermelho, esganam-se os barcos. Orgulham-se, odiosas, as cruzes altas das igrejas nocturnas. Soterradas, as nuvens brancas; aguçadas, as esquinas dos móveis do quarto onde ninguém pode entrar. Orgasmear-me-ei nesta minha realidade eriçada, se não quiser morrer. Porque a ansiedade está a trepar pelos meus nervos como uma faca eléctrica esfomeada, e as minhas mãos tremem assanhadas os furores psicadélicos de uma tempestade de canivetes que a dúvida excita. Tenho um mar insuportável dentro das veias, um mar cheio de destroços de barcos que o meu temor afundou, um mar de peixes sem olhos de ferocidade salina a soluçar tesouros.
 
 

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