Enxaqueca
O silêncio é a almofada onde se deitam os desertos e os sonhos viúvos. Já pousei sem cor os lápis que me deste. No maxilar do
mundo tritura-se agora a minha cabeça.
Agulhas
encapeladas e quentes cosem os neurónios uns aos outros. São cascos de navios
que soluçam no meu sangue escuro e doente, ervilhas nas veias. Dentro desta
água há casario a transbordar, mãos e bocas construindo pontes que não rompem o
real, sobrecarregam-no de uma dor de ferro e histrionia de lagosta em
panela de pressão. Um penhasco aos solavancos - grotesco sonambular de mil
girândolas em mim! Trepam as moreias pelo céu aquoso e vermelho, esganam-se os
barcos. Orgulham-se, odiosas, as cruzes altas das igrejas nocturnas.
Soterradas, as nuvens brancas; aguçadas, as esquinas dos móveis do quarto onde
ninguém pode entrar. Orgasmear-me-ei nesta minha realidade eriçada, se
não quiser morrer. Porque a ansiedade está a trepar pelos
meus nervos como uma faca eléctrica esfomeada, e as minhas mãos tremem assanhadas
os furores psicadélicos de uma tempestade de canivetes que a dúvida excita. Tenho
um mar insuportável dentro das veias, um mar cheio de destroços de barcos que o
meu temor afundou, um mar de peixes sem olhos de ferocidade salina a soluçar
tesouros.
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