Não há
paredes onde escrever o passado
Ardiam, altivos, os poços do amanhecer. Nas nuvens eles viam
os brancos dorsos de sol trazer a esperança aos que não souberam dormir. Para
as suas águas os longos corpos estendidos, os pés bailando nervuras nas bermas
da manhã. Lontras brancas como mágicos lençóis aspiravam a luz dos homens até
ao canto escondido do céu, a pele crua de gestos novos, ovos de febre liados
aos pulsos das jovens impalas que habitam o bosque da promessa. Então, de
repente, corrias o fogo pelo sorriso vertical dos espaldares que existiam para
ti, fazias um círculo rápido até ao zénite de uma manhã qualquer e saltavas do
tecto como uma ave ávida de vento. Ninguém gritava na rua. As casas não tinham
paredes, via-se até ao fim da rua, eram casas claras cheias de mãe. E o
universo estrelas trôpegas numa folha de papel, riscos amarelos que às vezes
diziam olá.
Ainda sentes o vento daquela praia azul raiar-te o sorriso
histérico, fazer-te as pernas esquecerem-se dos nomes das coisas e abrir-te
muito os olhos dentro do oráculo fosforescente da água. Mas por mais que
espreites nunca verás a guilhotina suspensa dentro do segredo do passado. Tu
esticas a flecha até ao esgar do sangue, mas ela não atravessa o eco, só se perde
para o futuro.
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