quinta-feira, 24 de abril de 2014

Não há paredes onde escrever o passado




Não há paredes onde escrever o passado


Ardiam, altivos, os poços do amanhecer. Nas nuvens eles viam os brancos dorsos de sol trazer a esperança aos que não souberam dormir. Para as suas águas os longos corpos estendidos, os pés bailando nervuras nas bermas da manhã. Lontras brancas como mágicos lençóis aspiravam a luz dos homens até ao canto escondido do céu, a pele crua de gestos novos, ovos de febre liados aos pulsos das jovens impalas que habitam o bosque da promessa. Então, de repente, corrias o fogo pelo sorriso vertical dos espaldares que existiam para ti, fazias um círculo rápido até ao zénite de uma manhã qualquer e saltavas do tecto como uma ave ávida de vento. Ninguém gritava na rua. As casas não tinham paredes, via-se até ao fim da rua, eram casas claras cheias de mãe. E o universo estrelas trôpegas numa folha de papel, riscos amarelos que às vezes diziam olá.

Ainda sentes o vento daquela praia azul raiar-te o sorriso histérico, fazer-te as pernas esquecerem-se dos nomes das coisas e abrir-te muito os olhos dentro do oráculo fosforescente da água. Mas por mais que espreites nunca verás a guilhotina suspensa dentro do segredo do passado. Tu esticas a flecha até ao esgar do sangue, mas ela não atravessa o eco, só se perde para o futuro.


 

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