quarta-feira, 26 de junho de 2013

As estátuas também têm fome

 
 
As estátuas também têm fome
 
 
 
O tempo passa e a estátua constrói-se.
Busco granadas como pão que me desfaça a fórmula de que me esqueci.
Mas sou. Isto de pedra arranjadinha.
Por isso se me parte o horizonte em vagas de rocha suada pelo gerúndio desencanto.
Por isso as feras comem primeiro as minhas pernas, mas deixam sempre as janelas para o deslumbramento do olhar.
Por isso as facas suspensas sobre o peito cosmogónico excretam os terríveis.
Que venha, que venha ela –
a impiedosa garça da indolência incendiada,
que me desfie os olhos e martele o traço,
o traço granítico de escuridão em gume fossilizada.
Ah maravilhosa brusquidão da morada bélica a mamar o vazio em mim.
Ávido semblante de náusea constelado,
punhal sem olhos
no lapso lapidado sem tempo de parir o fruto.
Negro suave? Isso é ao longe.
Nas baratas bolorentas dos armários embutidos
Já o rumo e o desnorte!, a órbita desviada!
Já o sol e o veneno e o sol estilhaçado.
Firme, de morte na boca e língua esfarelada,
estendo ao vento o cálice fragmentário da desalma,
e no leito do trágico marítimo derramo
a canção nocturna da miséria humana.
 
 
 

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