Grito de uma Cidade Nua
(para a Sylvia)
Uma imensa noite engole o mundo. Uma noite redonda e
perfeita.
No vazio rolam, como cabeças, os astros vagabundos.
No meu olhar eles gravitam, salpicando de sangue a
orla dos oceanos.
O mar está deserto. Infinitas estrelas brilham,
vermelhas e vazias, à superfície.
A sua luz é oca, como uma boca que se abrisse para
lado nenhum.
Sim, o mar está deserto e coberto de feridas. Não há
língua imensa que as cubra.
Nas cidades habitam monstros. Eles destroem todas as
esquinas dos amantes.
Tudo resta liso e azul, um espelho reflectindo os
horrores do mundo.
Nele se espelha o meu sorriso infantil e todos os
beijos que ficaram por dar.
Agora o vento dança livre no coração dos antigos
templos.
No seu núcleo despovoado ardem grandiosas taças de
gelo.
Nelas se suplicia a Vontade deixada ao Pó, deus da
fome universal.
Há sombras de árvores sem raiz onde antes existiam
bosques.
Elas movem-se como fantasmas envoltos em bruma.
São colares feitos de troncos estrangulando os últimos
sonhos do mundo.
Ninguém mora aqui. A humanidade partiu, levou-a um
imenso abraço.
De mãos dadas correram as crianças do futuro, em busca
de algodão.
Só o eco da sua voz restou, perdido, no meu coração.
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