quarta-feira, 26 de junho de 2013

Grito de uma Cidade Nua





Grito de uma Cidade Nua


(para a Sylvia)

 
Uma imensa noite engole o mundo. Uma noite redonda e perfeita.
No vazio rolam, como cabeças, os astros vagabundos.
No meu olhar eles gravitam, salpicando de sangue a orla dos oceanos.


O mar está deserto. Infinitas estrelas brilham, vermelhas e vazias, à superfície.
A sua luz é oca, como uma boca que se abrisse para lado nenhum.
Sim, o mar está deserto e coberto de feridas. Não há língua imensa que as cubra.


Nas cidades habitam monstros. Eles destroem todas as esquinas dos amantes.
Tudo resta liso e azul, um espelho reflectindo os horrores do mundo.
Nele se espelha o meu sorriso infantil e todos os beijos que ficaram por dar.

 
Agora o vento dança livre no coração dos antigos templos.
No seu núcleo despovoado ardem grandiosas taças de gelo.
Nelas se suplicia a Vontade deixada ao Pó, deus da fome universal.

 
Há sombras de árvores sem raiz onde antes existiam bosques.
Elas movem-se como fantasmas envoltos em bruma.
São colares feitos de troncos estrangulando os últimos sonhos do mundo.

 
Ninguém mora aqui. A humanidade partiu, levou-a um imenso abraço.
De mãos dadas correram as crianças do futuro, em busca de algodão.
Só o eco da sua voz restou, perdido, no meu coração.
 
 
 

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